Direita e esquerda: a igualdade na diferença

Talvez sejam enormes as diferenças entre os governos do PT e de Bolsonaro, mas há uma semelhança que chama a atenção: tanto em um quanto em outro instaurou-se uma demonização do chamado jornalismo investigativo. Uma vez no poder, tão logo seus erros e desmandos comecem a ser apontados, tanto um quanto outro mostram a idêntica tendência a proibir seus eleitores de acompanhar informações através desses veículos.  Como o próprio nome diz, esse jornalismo tem por objetivo investigar e denunciar o que acontece nos bastidores da política, focando em erros, mentiras e falcatruas. É esse seu papel, sua função. Assim, podemos dizer que a democracia depende, muito mais do que se possa imaginar, desse tipo de trabalho.

O medo que os partidos mostram tem muito fundamento. Os maiores escândalos de corrupção no governo do PT e no de Bolsonaro foram descobertos e denunciados pela imprensa. Talvez por isso se empenhem tanto em desqualificá-la. Mais do que corrigir os próprios erros essa política, que busca antes de tudo servir a seus próprios interesses, se ocupa em ocultá-los. Por isso é preciso acusar a imprensa de pertencer ao extremo oposto – a direita diz que serve à esquerda e vice versa – ou de ser parte de uma conspiração que vive de mentiras.

É claro que desqualificar não bastaria. Então desviam seus adeptos e correligionários para fontes de informação, criadas e financiadas pelo próprio partido, grupo político ou econômico. São jornais online, canais do Youtube, rádios e canais de TV que fornecem notícias genéricas, como jogos, acontecimentos políticos pelo mundo e notícias locais, junto a uma quantidade enorme de notícias falsas.

Para uma visão imparcial seria ideal que nos informássemos no maior número de fontes possível. Na época do PT, além do jornalismo investigativo, era importante ler a Carta Capital, Diário do Centro do Mundo, Brasil 247 e outros. Durante o período Bolsonaro  foi bastante elucidativo acompanhar Brasil Paralelo, Jornal Cidade online, Grupo Record, SBT, Jovem Pan e outros. Além disso pode-se seguir, pelo Twitter por exemplo, o maior número possível de políticos e jornalistas de cada tendência.

Quando um grupo se restringe às informações originárias de um único tipo de fonte constitui-se a chamada Bolha. Nela, todas as informações são filtradas para que os adeptos permaneçam fiéis ao lado em questão. Nessas fontes tendenciosas propaga-se a ideia de que os governantes fazem um trabalho perfeito e o país está em pleno vigor.

Uma grande parte dos humanos tende a fugir de qualquer informação que contradiga suas crenças e valores. Sua propensão é buscar refúgio entre os que pensam da mesma forma. Isso vale para a religião, a política e mesmo para o futebol. Entre seus iguais sentem-se acolhidos, entre os demais são tomados por desconforto e estranhamento. É como uma crença de que estando em determinado grupo adquirem uma espécie de blindagem contra seus fantasmas. Para um saudável funcionamento de nosso sistema cognitivo é preciso que lutemos contra isso e exercitemos o senso crítico. Sem isso, o risco de entrarmos em oposição e conflito com os que pensam de forma oposta é quase inevitável.

Vários fantasmas foram criados, por exemplo, nos Estados Unidos, para assustar a população e demonizar o comunismo por medo de que a revolução Russa se espalhasse pelo globo. Ali, a “caça aos comunistas” foi chamada de onda do “medo vermelho” ou Era McCarthy (macartismo), em referência ao senador Joseph McCarthy, um dos grandes promotores dessa política. Dois ou três anos depois da Revolução Russa, em fóruns anticomunistas nos EUA e noutros países já se tornara relativamente comum ouvir a ideia de que os comunistas comiam bebês. No anticomunismo brasileiro atualizou-se o termo “comer” para “abusar sexualmente”.

Qual o maior problema? Quando uma informação falsa é lançada em mídias patrocinadas por um viés ideológico, os integrantes da Bolha recebem-na e assumem imediatamente que se trata de uma verdade inquestionável. Afinal, emana do único lugar que consideram cem por cento confiável. Como são, no geral, baseadas em teorias conspiratórias, não importa que não tenham comprovação, elas geram ora certezas absolutas junto a enorme medo. A maior parte dos integrantes também não busca informações de confirmação porque acredita que, fora desses grupos, todos são inimigos.  Assim, essa informação falsa passa a ser divulgada em larga escala em redes sociais e grupos de Telegram, Whatsapp, através de textos, vídeos e áudios. Elas dão, a cada um que as recebe, a sensação de serem únicos, de estarem investidos da missão de propagar uma verdade.

Logo a seguir o jornalismo investigativo e a oposição reagem às mentiras divulgadas, buscam provas que embasem o desmentido e demonstram que a notícia é falsa. A questão é que as provas de que uma notícia é falsa jamais penetrarão na Bolha. Estão convencidos de que, fora da Bolha, tudo é suspeito, de que todos os canais do jornalismo investigativo fazem parte ou de uma gigantesca conspiração Internacional ou de uma conspiração nacional contra seu escolhido.

São coisas no mínimo engraçadas, mas que se tornam assustadoras. Citarei algumas que ouvi de pacientes e amigos. Uma conspiração internacional envolvendo Soros, Bill Gates e a China, para implantar chips que tornariam os humanos submissos à vontade deles. O projeto seria acabar com dois terços da humanidade, coisa que claramente é o contrário do que interessaria, principalmente à China, que produz, exporta e não quer que o número de consumidores diminua.

Nesta última campanha espalhou-se que seriam criados banheiros unissex nas escolas, que o comunismo incentiva os pais a masturbarem os filhos a partir dos sete meses. Que casas com mais de sessenta metros quadrados seriam divididas com famílias sem moradia. A mais interessante seria a obrigatoriedade de aulas de “ideologia de gênero”, onde seria ministrada uma matéria que ensinaria os alunos a se tornarem gays.  Veja que essas pessoas realmente acreditam no eufemismo da “opção sexual”, não têm a menor ideia de que homo e heteroafetiva são possibilidades para a sexualidade humana normal.

O algoritmo que propulsiona a formação da Bolha funciona como um loop de feedback em tempo real que leva você em direção ao que ele identifica como os interesses da sua bolha. Ele decide o que será sugerido para os usuários. É nelas que as notícias falsas ganham força, principalmente porque as pessoas não diferenciam adequadamente as fake news, elaboradas por fontes duvidosas, das notícias jornalísticas.

Numa situação de extrema polarização como está ocorrendo no Brasil a situação tende a tornar-se trágica já que o fanatismo infla o narcisismo e a arrogância, dois péssimos componentes do psiquismo humano que transformam o diferente em inimigo, muitas vezes a ser exterminado.

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